CENTRO DE CONVIVÊNCIA CULTURAL "CARLOS GOMES"
Vista aérea do Centro de Convivência Cultural de Campinas, à época de sua inauguração. Fonte: Arquivo Fábio Penteado.
Maquete do Centro de Convivência. Fonte: Arquivo Fábio Penteado.
Vista aérea do Centro de Convivência Cultural de Campinas, à época de sua inauguração. Fonte: Arquivo Fábio Penteado.
Imagens da obra
Perspectiva do centro de Convivência Cultural de Campinas. Fonte: Arquivo Fábio Penteado.
Implantação geral do Centro de Convivência. Fonte: Arquivo Fábio Penteado
Perspectiva da “calçada coberta” para exposições artísticas. Fonte: Arquivo Fábio Penteado.
Perspectiva do centro de Convivência Cultural de Campinas. Fonte: Arquivo Fábio Penteado.
Imagens da obra
FICHA TÉCNICA
Nome da obra: Centro de Convivência Cultural “Carlos Gomes”
Data da construção: 1967-1969/1974-1976 (projeto 1967)
Localização: Praça Imprensa Fluminense, entre as ruas Conceição, São Pedro, General Osório e Av Moraes Salles, no bairro do Cambuí, em Campinas/SP.
Autor arquiteto: Fábio Moura Penteado. Colaboração de Teru Tamaki, Alfredo Paesani, José Luiz Paes Nunes, Aldo Calvo e L. A. Falcão Bauer.
Projeto de restauro e reforma: não houve restauro, mas o conjunto é tombado desde 2008, quando o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (CONDEPACC) realizou o tombamento com base no processo 013/01, aberto em 2001, que estabeleceu proteção patrimonial ao “conjunto arquitetônico do Cambuí”. Toda a parte interna do Centro de Convivência está interditada desde 14 de dezembro 2011 devido a sérios problemas estruturais ocasionados por falta de manutenção adequada. Em 31de julho de 2019, o governo do Estado de São Paulo anunciou a liberação de recursos para a reforma do conjunto, ainda não iniciada.
Tamanho do lote e área construída: 21.750 m²/3.500 m². Teatro interno de 500 lugares e Teatro de Arena externo com 8.000 lugares.
INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
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SOBRE A OBRA
O Centro de Convivência Cultural de Campinas foi encomendado pela prefeitura da cidade a Fábio Penteado após a repercussão de seu projeto para o concurso do Teatro de Ópera da cidade que, a despeito de não ter saído vencedor, ganhou notoriedade internacional ao receber a Medalha de Ouro da I Quadrienal de Teatro de Praga, em 1967. Foi idealizado como resposta aos protestos públicos pela demolição do eclético Teatro Municipal Carlos Gomes, obra de 1930 derrubada em 1965.
Por sugestão do arquiteto, o edifício ocupa o espaço relativo a duas quadras do tecido urbano original do bairro do Cambuí, então ocupadas pelo antigo Passeio Público implantado no século XIX e por um edifício escolar dos anos 1910, integradas pela interrupção parcial de uma avenida que as separava. A fusão dos terrenos originou uma praça circular que abriga em seu centro um grande edifício-escultura, cuja disposição aproveita os eixos visuais da avenida interrompida.
O projeto distribui sob quatro grandes volumes independentes as instalações constantes no programa, permitindo a manutenção de um espaço público aberto com a criação de uma ampla praça, no centro e nos arredores do conjunto. O maior dos quatro blocos abriga um teatro de 500 lugares; outro dos três volumes menores acolhe a entrada/foyer e concentra as atividades administrativas; um terceiro contém o espaço destinado a exposições de arte; o quarto abriga as instalações de um bar/restaurante.
Internamente, uma conexão subterrânea entre os quatro volumes funcionaria, segundo a intenção original do arquiteto, como uma “calçada coberta” (PENTEADO, 1998, p. 100), um grande passeio público circular pontuado ao longo de seu trajeto por espaços expositivos diversos. O posicionamento estratégico dos acessos busca facilitar a entrada, estimulando os passantes a tomar um atalho através do edifício, onde se deparariam com exposições artísticas.
Os quatro volumes independentes demarcam um espaço central circular, elevado meio nível em relação à cota da praça circundante. As coberturas se inclinam em direção ao centro da praça e configuram arquibancadas com capacidade para abrigar 8.000 pessoas, transformando o espaço central em palco de um grande teatro de arena a céu aberto. A abertura escultural a partir do centro desdobra-se em coberturas periféricas acolhedoras voltadas às ruas circundantes.
Além de uma nova interpretação programática, o edifício oferece duas escalas distintas e complementares, capaz de acolher em seu centro a dimensão cívica, cultural e multitudinária, e em suas laterais a convivência comunitária, amistosa e tranquila.
O desenho ergue na paisagem um conjunto arquitetônico escultural coroado por uma torre de iluminação à maneira de totem, que se constitui em potente referência imagética da cidade, carente de marcos urbanos. As formas do conjunto remetem a uma espécie de natureza geometrizada, evocando a ideia de relevo através das linhas irregulares que demarcam os degraus do teatro de arena.
O Centro de Convivência reúne ideias experimentadas por Penteado em projetos anteriores para teatros, como o de Piracicaba (1960 – não construído), e do citado Teatro de Ópera (1966 – não construído). Interessa, no entanto, atentar para uma característica específica que configura a singularidade desse projeto: sua dimensão cívica.
De forma mais direta, possui um claro precedente no projeto apresentado em concurso para um Monumento Comemorativo à Fundação de Goiânia (1965), que Penteado desenvolveu em parceria com José Ribeiro. De forma ainda mais evidente que em Campinas, o monumento goiano caracterizava-se pela irradiação de feixes desenhados a partir de um ponto no piso, demarcando o lugar de cinco arquibancadas voltadas ao centro de uma praça.
Ao configurar uma arena, a forma assume uma forte sugestão cívica e política. As arquibancadas indicam a reunião da população em assembleia, criando um espaço cuja representatividade sugere a construção da democracia, um ideal especialmente relevante durante os anos mais duros da ditadura militar, período em que a obra foi idealizada e construída.
No Centro de Convivência aparece, de forma inequívoca e monumental, outra característica distintiva de muitos projetos de Penteado: a existência de um ponto central de geração a partir do qual a arquitetura se desenvolve, ora perceptível na estruturação formal da obra - como na proposta para um Monumento em Playa Girón, Cuba (1962) -, ora visível a partir da organização interna da arquitetura – como na pracinha central de distribuição da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (1968)-, entre inúmeros outros exemplos.
O Centro de Convivência propõe variadas formas de participação através de sua conformação arquitetônica. De certa forma, reedita a ágora grega, ou o fórum romano em sua multiplicidade funcional e simbólica, mas também evoca o circo ao destinar-se à reunião das massas, acomodadas ao longo de sua forma virtualmente circular.
Fiel à sua intenção de “rentabilizar” os espaços públicos, Penteado definiu o projeto como “Um espaço aberto para o encontro e o convívio, onde se pode ficar à vontade, vadiar, ler, descansar, namorar, assistir a espetáculos artísticos ou esportivos, participar de manifestações públicas...” (1998, p. 100).
Essa dimensão política, no entanto, não está dissociada da função artística a que a obra se destina, em sintonia com o desejo de romper o isolacionismo entre arte e cotidiano que marcou os anos 1960 , quando surgiu toda uma produção que tinha a “cidade como suporte”, tentando-se espaços abertos para a apresentação de trabalhos artísticos (AMARAL, 1984, p. 329).
No caso do Centro de Convivência Cultural, o próprio nome com o qual foi batizado é indicativo da intenção do projeto: idealizar um lugar onde o contato com a cultura e a arte pudesse se estabelecer através da convivência cotidiana, no espaço público.
Então a maneira de aproximar pessoas do mundo das artes, do teatro, é um espaço aberto. Além do que todo edifício de teatro tem uma visão histórica elitista. [...] E aos teatros iam só os donos do poder. O homem da rua, do povo, nunca imaginava ir. (PENTEADO, 2008)
Ao exteriorizar-se, a arquitetura populariza a arte, dessacraliza o teatro e estimula o acesso do “homem comum”, componente das multidões urbanas, a um universo pleno de sugestões exclusivistas, eliminando a sugestão cerimonial representada pela abertura de portões e portas.
SOBRE OS AUTORES
Fábio Moura Penteado nasceu em Campinas em 1929, porém passou a residir em São Paulo em 1935, cidade onde desenvolveu toda sua carreira profissional. Filho de uma família abastada de industriais campineiros, morou no bairro de Higienópolis até sua morte, em 2011 Egresso da Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1953, Penteado teve forte atuação na política de classe e na divulgação jornalística da arquitetura. Ao longo de sua carreira profissional foi editor da revista “Visão” (1956- 1962), do jornal “Arquiteto” (1972-1977) e da revista “Projeto” (1977-1992) e professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (1961-1964). Militou em organismos de representação nacional e internacional de arquitetura, como o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB; presidente entre 1966 e 1968) e a União Internacional de Arquitetos (UIA; membro atuante entre 1969 e 1975).
Com escritório próprio desde 1954, em 1956 estabeleceu-se na sede paulista do IAB, o que propiciou um diálogo intenso com arquitetos centrais da produção moderna paulista, como Villanova Artigas, Ícaro de Castro Mello, Rino Levi, Arnaldo Mindlin, Oswaldo Corrêa Gonçalves, Miguel Forte, Luís Saia, Eduardo Kneese de Mello) e com outros companheiros de sua geração como Carlos Millan, Jorge Wilheim, Roberto Aflalo, Telesforo Cristófani, Paulo Mendes da Rocha, Pedro Paulo de Mello Saraiva, David Libeskind, Jon Maitrejean, Abraão Sanovicz, João Clodomiro de Abreu, Chico Petracco, Hélio Penteado, Júlio Katinsky e Joaquim Guedes.
Sua obra reflete a diversidade da produção arquitetônica moderna paulista, muitas vezes oculta pela predominância de interpretações generalizantes, através de uma dimensão propositiva e formal singular desenvolvida em perfeita harmonia com as intenções de seus contemporâneos. A maior parte de seus projetos foram desenvolvidos em parceria com companheiros frequentes, como Alfredo Paesani, Teru Tamaki e César Sampedro. Também caracteriza sua produção sua predileção pela participação em concursos, o que em parte explica o fato de ter sido um arquiteto que projetou muito mais do que construiu.
Penteado é autor de obras importantes no cenário da arquitetura moderna brasileira, entre as quais destacam-se: a Estação de Tratamento de Água para a região do ABC (1954), agraciada com o prêmio Governador do Estado no III Salão Paulista de Arte Moderna; o Fórum de Araras (1960); o Sociedade Harmonia de Tênis (1964), clube privado no Jardim América que é exemplar das estratégias projetuais utilizadas pelos arquitetos modernos paulistas; o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado (1967), em Guarulhos, com João Batista Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha; e o Hospital Escola da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (1968), na Barra Funda, que nunca chegou a funcionar para essa finalidade e atualmente abriga o Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães.
Muitos projetos não construídos estão entre seus trabalhos mais emblemáticos, como o Hotel Praia do Peró, em Cabo Frio (1958); o Teatro de Piracicaba (1960); o Monumento em Playa de Girón, Cuba (1962), classificado em 2º lugar em concurso internacional; o conjunto habitacional da Cidade dos Doqueiros, em Santos (1962); a Catedral Presbiteriana de Brasília (1965); o Mercado do Portão em Curitiba (1965); o Complexo Turístico de San Sebastián, na Espanha (1965); o Monumento Comemorativo aos 30 anos de Goiânia (1965); o Teatro de Ópera em Campinas (1966), 2º colocado no concurso e vencedor da Medalha de Ouro da I Quadrienal Internacional de Teatro de Praga (1967), e o Centro Administrativo Estadual (1975), projeto vencedor do concurso organizado pelo governo de São Paulo para concentrar toda sua máquina administrativa em uma sede única em uma área na várzea do rio Tietê.
Penteado desenvolveu uma produção formalmente variada, mas extremamente coerente no discurso, que trata a arquitetura como agente ativo de transformação social. Seus projetos sempre partiam do pressuposto de que o artefato construído pode contribuir no processo evolutivo da sociedade e da cidade, e a eloquência formal que transparece em suas propostas, das mais simples às mais complexas, está sempre condicionada a esse princípio.
Autores da ficha: Ivo Giroto.